Os caminhos do jornalismo que estamos a traçar

Silva Araújo – ex-director do Diário do Minho – sempre habituou serenamente os seus leitores a perceberam o mundo das notícias como expressão da realidade vivida e concreta das pessoas e das comunidades. Publicou agora no seu jornal uma reflexão sobre o jornalismo que existe e os jornalistas que somos. Patilhamos aqui uma parte da sua reflexão que merece a atenção de todos.

(…) 7. A missão do profissional da Comunicação Social também é a de despertar consciências. Sacudir cidadãos distraídos a fim de que deixem a modorra e a indiferença. Além de informar daquilo por que as pessoas legitimamente se interessam, informar também de realidades por que as pessoas se não interessam mas deviam interessar. Contribuir para o direito/dever do verdadeiro exercício da cidadania. Impedir que sejamos um país de alienados.

8. É dever da Comunicação Social, com verdade e sem alarmismo, contribuir para que as pessoas tomem consciência da gravidade da situação de pandemia e, livre e responsavelmente, adotem as precauções devidas. Como é seu dever denunciar comportamentos irresponsáveis, alertando para o erro sem deixar de respeitar a pessoa que erra.

Mas para isso não é necessário martelar sempre no mesmo ou agir como se a vida da comunidade se restringisse à pandemia. Para além da Covid-19 – e do futebol, já agora – há mais coisas de que as pessoas têm o dever de se informarem e o direito de serem informadas.

Dizia-se haver três efs com que se distraíam os portugueses: fado, Fátima, futebol. E hoje? Em que altura da vida nacional se aprovou no Parlamento a eutanásia?

9. Penso ser dever da Comunicação Social fornecer uma informação diversificada e completa. Hoje, mostrar haver mais vida para além da Covid-19 e do futebol, como disse. Mesmo no futebol, há mais dos que os tradicionalmente chamados três grandes.

10. Puxando, penso que com muita razão, a brasa para a minha sardinha: como é tratada, por muita da Comunicação Social, a vida da Igreja? que espaço lhe é dado? não se privilegia o considerado anedótico ou que cheira a escândalo? diz-se toda a verdade ou só a que convém? quando se trata de debater problemas religiosos com que critério se escolhem os intervenientes? que acolhimento é dado ao exercício do direito de resposta? há respeito pela presunção de inocência?

11. No que respeita à informação mantenho-me fiel ao princípio segundo o qual os factos são sagrados e os comentários são livres. Entendo não se dever misturar a narração dos factos com os comentários pessoais do jornalista.

Perante a comunicação que lhe é transmitida o destinatário deve poder distinguir o que é informação do que é comentário e do que é publicidade.

12. Não considero prestar-se um bom serviço alongando a narrativa sem visível interesse que o justifique. Porquê dizer com duzentas palavras o que muito bem se teria dito com vinte? Porquê empolar as coisas? Porquê a repetição das mesmas notícias?

Que a gramática não sofra atropelos e a linguagem seja acessível ao comum das pessoas. Que o jornalista saiba descodificar a linguagem dos técnicos.

13. Uma entrevista, penso, não é um debate entre entrevistado e entrevistador. Faz-se porque se considera de interesse para a comunidade dar a conhecer a pessoa, as suas opiniões, os seus projetos, os seus ensinamentos. Ou as circunstâncias em que vive e as dificuldades que enfrenta.

Porque se não hão-de entrevistar desempregados, pessoas à espera de uma consulta médica ou de uma cirurgia, pessoas sem-abrigo…?

Não continua a ser obrigação da Comunicação Social ser a voz dos sem-voz? Em vez de ser a boca do povo e a orelha do príncipe não estará a ser a boca do príncipe e a orelha do povo?

14. É um erro forçar o entrevistado a dizer o que o entrevistador deseja que diga como é um erro o entrevistador arrogar-se o direito de responder pelo entrevistado.

A dependência da ideologia e do interesse económico também se nota aqui: na escolha da pessoa a entrevistar e na forma como a entrevista é conduzida.

15. Penso ser desejável termos uma informação cada vez mais diversificada e mais objetiva. Uma informação fiel à verdade e liberta de preconceitos ideológicos.

Mas a existência de melhor informação, é imperioso reconhecê-lo, não depende só do jornalista. Cada um que assuma as suas responsabilidades.

Monsenhor Silva Araújo

Nota- Foto e  texto editado originalmente em Diário do Minho